quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Meu Pequeno Dom Quixote


Sábado de manhã, tempo frio e chuvoso e eu ali sentado na sala assistindo TV sem nada mais interessante para fazer, isso até aquela vozinha lá debaixo clamar com força:
- Hoje quero ser cavaleiro! – me disse o menino.
Olhei para baixo e vi meu pequenino com um chapéu de papel na cabeça (chapéu de marinheiro, mas não ia estragar a brincadeira) e brandindo uma colher na mão feito uma espada.
- Mas todo cavaleiro precisa de um cavalo – disse eu.
Por um instante meu pequeno cavaleiro se entristeceu:
- Ah papai, a gente não tem cavalo.
Arrependido do mal que fiz, logo dei um jeito de reverter à situação:
- Como não? A gente tem sim um cavalo – os olhos dele brilharam de novo.
Fui até o armário da cozinha e pequei a primeira vassoura que vi pela frente.
- Tome nobre cavaleiro, seu fiel cavalo Rocinante.
- Rocinante? Que nome feio papai.
- Mas esse é um famoso alazão espanhol meu filho, só os mais bravos entre os bravos podem montá-lo.
- Oba! Então vem aqui cavalinho!
Pronto. A aventura já podia começar.
- Tloc, tloc, tloc... vamos cavalinho, vamos cavalinho.
- Filho eu posso ser seu escudeiro?
- Escudeiro, o quê que é isso papai?
- O escudeiro é aquele que acompanha o cavaleiro em suas andanças e aventuras, ajudando-o em momentos de perigo.
- Oba! Pode sim papai.
- Mas agora eu não sou mais papai, pode me chamar de Sancho Pança!!
- Hehehe, hehehe – meu cavaleiro começou a rir sem parar.
- Oh, por que ristes nobre amo? – ele fez uma carinha de quem não entendeu nada e eu repeti a pergunta – do que você tá rindo meu filho?
- E que esse nome que você inventou combina mesmo com seu barrigão, Sancho Pança, hehehehe. – bem, as crianças são sempre sinceras.
Mas enfim partimos em nossa jornada pela casa em busca de aventuras.
Ao passar pelo quarto mamãe ainda estava deitada na cama sob o edredom.
- Veja meu filho – disse eu – aquela não é a adorável dama Dulcinéia que dorme sobre o encanto de um malvado feiticeiro?
- Sim Sancho, vamos salva-la, mas cuidado com aquele dragão vigiando a donzela. Rocinante! Avante.
E lá fomos nós. Meu amo e cavaleiro retirou num só golpe o grande Dragão Edredom de cima de Dulcinéia e o golpeu com sua espada mágica.
Dulcinéia assustada e sem entender nada despertou de seu sono encantado.
- Mas o que as duas crianças estão aprontando?
O cavaleiro logo se pôs a frente e tranqüilizou a donzela:
- Princesa Dulcinéia, a gente te salvou do Dragão Edredom!
- Princesa Dulcinéia? – ela perguntou, nisso eu rapidamente pisquei um olho para ela – ah sim- ela disse entrando em nosso sonho – obrigado Cavaleiro da Alegre Figura, para sempre lhe serei grata por tamanho heroísmo, merece um beijo.
E assim o cavaleiro recebeu seu troféu!
- Agora tenho que ir princesa – disse o cavaleiro – tenho muitos perigos para enfrentar e princesas para salvar. Rocinante! Avante!
- Adeus cavaleiro, cuidado com os perigos e você Sancho Pança cuide bem do meu amado!
E como nos contos de Cervantes partimos em busca de novas aventuras. Tudo bem que nossos gigantes não eram moinhos e graças a Deus nosso cavaleiro não era triste, mas o que importava mesmo era entrar na fantasia de uma criança e resgatar de dentro da gente esse pedacinho da vida onde a imaginação comanda e o importante é ser feliz.
E avante Rocinante!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A Revolta das Bonecas

Patrícia é uma menina divertida e sua maior alegria é brincar com suas bonecas. Mas havia Gustavo o seu irmãozinho, e a maior alegria de Gustavo era judiar das bonecas de Patrícia.
Gustavo roubava as bonecas e as jogava para Brutus, seu cachorro, que as mordia sem dó.
Isso fazia Patrícia chorar muito, principalmente quando as bonecas eram Vivi e Sabrina que tinham a cabeça de plástico e o corpo de pano. Coitadas, eram sempre costuradas e recosturadas.
O pior é que o danado do Gustavo não recebia castigo algum, a culpa ia toda para Brutus que tinha que passar as noites dormindo sozinho no quintal por causa de sua mania de mastigar bonecas.

Mas chegou uma noite que Patrícia não conseguiu costurar mais suas bonecas, não havia onde colocar mais pontos! Ela percebeu que havia perdido suas bonecas favoritas assim como havia perdido as outras, cheia de tristeza ela foi até a janela e chorou muito, e foi entre lágrimas que a menina olhou para o céu e viu uma estrela cadente cruzar o espaço. Patrícia não pensou duas vezes e fez um desejo: queria suas bonecas de volta, lindas como no dia em que foram compradas e que seu irmão nunca mais utiliza-se Brutus para feri-las. Depois disso ela enxugou as lágrimas, deixou Vivi e Sabrina no chão e foi dormir.
E foi a noite que o milagre aconteceu!
- Levanta daí! – disse Sabrina.
- Já estou indo. – Vivi ainda estava tentando se acostumar com suas pernas de pano.
- Estamos lindas não é? Olha como estou novinha. – Sabrina não parava de se olhar, era toda vaidosa.
- É, eu sei, mas vamos logo, temos pouco tempo. – Vivi sempre foi mais prática.
Sem fazer nenhum barulho as duas abriram a porta e saíram para o corretor em direção ao quarto de Gustavo. Conseguiram entrar facilmente e pularam para a cama de seu carrasco.
Foi um sacode daqui, sacode de lá, até Gustavo acordar.
- Ô mãe ô, quero ir na aula hoje não. – era assim que ele acordava todos os dias.
- Que aula que nada menino! – Vivi gritou no seu ouvido – Levanta daí vai!
- E rápido!Temos pouco tempo, vamos, vamos – Sabrina completava o coro.
Gustavo abriu os olhos e deu com aquelas figurinhas olhando para ele. Eram as bonecas da sua irmã! Mas estavam novinhas, como pode? E estavam vivas! Ele se encheu de medo e cobriu a cabeça com o cobertor.
Não adiantou.
As bonecas se enviaram por baixo das cobertas e puxaram suas orelhas, cada uma de um lado.
- Vamos, temos que ter uma conversinha – diziam as duas.
- Ai meu Deus, cadê minha mãe? – Gustavo começou a chorar.
- Para de chorar menino, sua mãe não vai acordar não, menino chorão! – Sabrina estava bem nervosinha.
- Calma Sabrina – disse Vivi – vamos só levar ele lá pra baixo.
Ainda agarradas as suas orelhas elas arrastavam o pobre do garoto quase até o chão, desceram as escadas e abriram a porta da frente.
A primeira coisa que Gustavo viu quando saiu de casa foi Brutus.
- Me ajuda Brutus – ele gritou.
O cachorro veio correndo em sua direção.
- Agora vocês vão ver suas bonecas metidas!
Mas quando Brutus chegou bem perto ele parou, fez um movimento com a cabeça e, para a surpresa de Gustavo, falou:
- Bom trabalho meninas, prometo que nunca mais vou mastigar vocês.
- Acho bom mesmo seu cachorro – disse Sabrina.
- Deixa disso Sabrina, agora Brutus vamos continuar com os planos.
Gustavo assistia a tudo sem acreditar muito.
- Oh, até tu Brutus! – ele estava inconsolável – O que vocês vão fazer comigo?
- Menino, você está sendo muito malvado conosco, com Brutus e principalmente com sua irmã, aquela menina tão doce que gosta tanto de todos nós, inclusive de você. – falou Vivi.
- É para você aprender a não fazer mais isso que estamos aqui hoje – completou Sabrina – fizemos um acordo com o Brutus, você dorme aqui fora e ele dorme lá dentro, na sua cama.
- Em troca – agora era Brutus que falava – eu nunca mais vou mordê-las. Quando mordia as bonecas eu nunca pensei que estivesse fazendo mal pra alguém, achava que era uma brincadeira, mas essas duas me abriram os olhos.
- Mas aqui fora tem bicho! – Gustavo estava tremendo de medo.
- Você não pensou nisso enquanto seus pais colocavam o coitado do Brutus para dormir aqui fora. Bem, hoje e você quem vai ter uma noite de cão. – Sabrina estava adorando a situação.
- Não! Por favor, eu faço qualquer coisa! – O menino começou a chorar.
As bonecas se reuniram com o cachorro e começaram a cochichar entre si, até que Vivi falou:
- Qualquer coisa?
- Qualquer coisa! – repetiu Gustavo.
- Tudo bem, então prometa nunca mais fazer mal as bonecas ou a qualquer brinquedo da sua irmã.
- Eu prometo, eu prometo!
- Olha que nós voltamos hein, e da próxima vez não seremos tão boazinhas. – falava a todo-poderosa Sabrina.
- E eu estarei sempre por perto – disse o fiel cachorro Brutus.
- Tudo bem – Gustavo já parava de choramingar – eu sempre vou ajudar a Patrícia a cuidar de suas coisas. E você Brutus pode dormir lá dentro.
As bonecas e Brutus pularam de alegria e deixaram o pobre Gustavo voltar para o seu quarto.
Elas se despediram do cachorro e também voltaram para o quarto de Patrícia que dormia como um anjo, as duas bonequinhas de pano subiram devagar na cama e se puseram cada uma de um lado da menina.
Ao amanhecer Patrícia mal podia conter sua alegria ao encontrar Vivi e Sabrina novas e lindas como da primeira vez que as viu.
A partir daquele dia Gustavo nunca mais importunou a irmã, ao contrário se tornou seu melhor companheiro nas brincadeiras e Brutus o cão mais gentil do mundo.
Tudo por causa de um desejo feito a uma estrela.